just poetry
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chove sobre a terra agora

chove sobre a terra agora

chove muito

chove bem

chove agora um pouco aqui dentro também


...

"o verdadeiro amor é vão"



g.gil
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trocando em miúdos



fica o fícus,
ficam o antúrio e o gerânio,
mas árvore da felicidade vai comigo,
para acompanhar meu desengano.


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Afinal vestir-se
tem a ver com escolher
qual dentre todas as possibilidades de você
você vai ser.

Vestir-se, afinal.

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talvez a vida apenas

essa brisa leve

o ato de inspirar

o aroma doce das flores

e o ar salgado do mar

porque ainda respiro, porque o sangue circula pelo meu corpo, porque meus cabelos não pararam de crescer, porque minhas unhas não pararam de crescer, porque fecho os olhos e durmo, porque sonho com paisagens desérticas e com um poema de Rimbaud, porque sonho com mulheres sem rosto e pássaros soturnos, porque abro os olhos e desperto, porque me levanto da cama e ando por essa casa estranha e tão familiar, porque meu corpo obedece aos comandos do meu cérebro, porque bebo chá, porque sinto frio, porque saio e caminho pelas ruas de Paris, porque o vento gelado no rosto me agrada, porque o ar frio arde nas narinas e acende os pulmões, porque respiro ainda, e sinto prazer ao respirar, prazer ao caminhar pelas ruas de qualquer cidade, em olhar os rostos de pessoas desconhecidas, em beber chá, em acordar, em dormir e sonhar, porque sinto prazer e júbilo por estar vivo, por isso escrevo esse texto, por isso esse texto existe, e insiste, débil, inútil atestado de vida.

Europa

Aqui se passa a mão no tempo

- Do alto destas pirâmides de vidro,

quantos séculos nos contemplarão?

Aqui, o tempo se pega com a mão.

..... escrito em Paris, dez. de 2004 ....


Escrevo de joelhos e nao ha papel nao ha caneta escrevo digitando teclas e observo na tela as palavras que componho letra a letra e fosse papel e tinta e fosse tela e oleo fosse madeira e canivete ou faca talho cunha fosse ferro em brasa fosse espelho e diamante minhas maos nao tocam mas eu transformo a materia imprimo na linguagem a ideia faço a forma imperfeita faço a metamorfose formosa seja verso seja prosa meto a mao meto o pe e o pau como sem contato meto a fala e faço a faca sem lamina meto o palo seco eu escrevo de joelhos ou sentado na cadeira escrevo em pe e danço e salto e urro so para dizer que sou humano e estou vivo sobre esse planeta de teto azul sobre essa esfera imensa cheia de temperaturas escrevo para dizer que hoje eu vi a neve ela caiu floco a floco confetes claros num carnaval silente e branco escrevo para dizer que caminhei sobre o gelo cruzei pontes sobre o Sena e vi a musa de um poema antigo vi o poema vivo o sonho perdido reencontrado em carne pele e sorriso e meu coraçao ligeiro tocou mesmo sem soar tocou um dois tocou um compasso binario meu coraçao ligeiro coraçao samba cançao, samba enredo de estar vivo

do caderno de viagem

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é só um rio
que passa largo
debaixo da ponte

é só a lua
acesa no céu
sobre o horizonte

é só o vento
o movimento das pessoas
na cidade estrangeira
no meio da noite

porque então o homem
que testemunha esse instante
de súbito se põe tão comovido?

.

poema de 2008

Sou eu esse homem calvo
que enxergo no espelho?

ou sou o menino que vivo
esquivo, assustado, com medo

tal qual o galo de Gullar,
que faço entre as coisas,
de que me defendo?

sou um professor de meia idade
com inclinações artísticas
(como meus pais e minhas avós)

ou vivo centelha
em cada sonho que tive
nas idéias que fiz
em tudo quanto esbocei?

Um poema não se faz
apenas com interrogações.

O chá que bebo, eloqüente,
afirma o calor.

poema inédito, de 1998

Virgínia

O avião voa

sobre o Atlântico.

Olho pro céu

nenhum pássaro

passa sob o azul.

Em quem pensa Virgínia

nesta tarde clara?

Seu sorriso branco

não encontra nuvem

que o corresponda.

Onda após onda

o oceano acena para ela

que nem vê, distraída

na janela.

O pensamento voa

sobre o Atlântico.

Olhos no céu

coração suspenso

entre continentes.

Em quem pensa Virgínia

nesta tarde clara?

Pés calçados na areia lua cheia no céu
mar quebrando nas pedras vento no corpo
vento na pele vento constante que abraça tudo
maresia o imenso halo em volta da lua
lembra um olho imenso colado no céu
olho redondíssimo de pupila branca
as vozes das pessoas ao redor a música
do show ao longe os pés caminham
deixam para trás a areia e seguem
em direção ao oceano agora pisam
o chão duro do quebra-mar
agora a pedra sólida
contra a qual o mar arrebenta
é apenas uma noite em Fortaleza
mas o poeta se vê comovido com a existência e quer cantar
quer cantá-la e a canção de Caymmi vem como um sopro
um vento uma oração para a noite
melodia ao ar a intensidade do instante
reverbera no tempo simples e pleno
às vezes viver é tão bom e leve

"ó vento que faz cantiga nas folhas do alto do coqueiral
ó vento que ondula as águas eu nunca tive saudade igual..."