just poetry

Karina e o mar

Emprestei meus óculos de natação para minha amiguinha.
Depois perguntei:
funcionou, Karina?
Ela:
— funcionou. Deu pra ver o mar todinho.
Sua amiga pretinha corrigiu:
que mar? Isso é piscina.
E Karina:
mas pode chamar de mar.


publicado no Fórum Virtual de Literatura e Teatro da UFRJ

Eles eram muitos cavalos,

ao longo dessas grandes serras,

das crinas abertas ao vento,
a galope entre águas e pedras.

Eles eram muitos cavalos,

donos dos ares e das ervas
com tranqüilos olhos macios,
habituados às densas névoas,
aos verdes prados ondulosos,
às encostas de árduas arestas,
à cor das auroras nas nuvens,
ao tempo de ipês e quaresmas.


Cecília Meirelles
(do Romanceiro da Inconfidência)
.

nadar nadar nadar

nadar como um peixe

no meio do mar


nadar nadar nadar

seguir o impulso

mais puro de vida

pela alegria simples

de estar vivo


nadar,

nadar sempre

sem pressa

com o vigor todo do corpo

nadar


nadar imerso no instante

mergulhado no êxtase

de estar vivo

neste planeta


nadar nadar nadar

nadar como um peixe

no meio do mar


nadar, nadar

sentindo tudo, muito

nadar

que fora dessa massa d’água

não há nada


.


acabou a farra

formigas mascam

restos da cigarra



Paulo Leminski

outra nota de 2008

*


Lançar um livro não é

atirar uma garrafa ao mar.


Lançar um livro não é atender ao grito de socorro

surgido do seio

da selva de pedra.

Lançar um livro

não é apenas mais um aceno

ao ímpeto humano

de narrar.


Lançar um livro

é ato subversivo

é afirmação inconteste de que existo, estou vivo

e me resta alguma esperança na humanidade.


Por isso, talvez


lançar um livro

seja algo quixotesco,

policárpico,

macunaímico.


Mas ainda assim

e mais que tudo

lançar um livro

é um resoluto e indiscutível

anti-suicídio.



*


nota de 2008

.
.
.

Estou prestes a povoar o mundo

com mais um livro

mais um título

em tiragem de quinhentos exemplares

(escrevo por extenso para estender o número)

Atitude – publicar – que sempre questionei.

Já pensei em copo d’água jogado no oceano

depois em garrafa lançada ao mar

Mas agora estou convicto

mar ao mar

água à água.

.
.
.
.
um sorriso uma brisa através
uma amiga uma irmã uma prima
o sorriso uma brisa atravessa
e outra vez traz sentido
sentido a esta vida sentida
um sorriso uma brisa através
.

Poema do nadador

A água é falsa, a água é boa.
Nada, nadador!

A água é mansa, a água é doida,
aqui é fria, ali é morna,
a água e fêmea.
Nada, nadador!

A água sobe, a água desce,

a água é mansa, a água é doida.
Nada, nadador!

A água te lambe, a água te abraça

a água te leva, a água te mata.
Nada, nadador!

Senão, que restara de ti, nadador?

Nada, nadador.


Jorge de Lima
.
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hoje não estou para papo

tô menos pra mosca

mais para sapo


hoje eu só tô calado

a boca apenas

um buraco selado


hoje não estou para papo

o lábio colado

no lábio de baixo


agora parei, tô sem saco

nenhuma palavra mais

me escapa do caco


.

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adoro bolero
.
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